quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A derrubada de um Governador, mas não de um Governo

Brasília, 11 de Fevereiro

Com a prisão preventiva do até então Governador do Distrito Federal Arruda, o Vice-Governador Paulo Otávio assume o cargo. Temporariamente, isto é, até a ação do Governo Federal amanhã para a indicação de um suplente ao cargo – aguardaremos atenciosamente estes desenvolvimentos, mas enquanto isso se pode dizer:

Arruda foi preso por tentativa de suborno de um jornalista – e o suborno era para que o jornalista publicasse uma série de artigos que atentassem contra a legitimidade dos vídeos nos quais Arruda e vários outros políticos e assessores são vistos aceitando dinheiro de suborno de várias empresas que buscavam favor com o Governo Distrital.

Isto é, a sentença pela qual Arruda está sendo condenado também deveria confirmar semelhante sentença a todos os outros envolvidos no esquema de corrupção – não só os outros cinco que estão sendo presos (ou já estava preso, no caso de um deles) por tentativa de suborno do tal jornalista. Mas então, o segundo a ser preso deveria ser o Vice-Governador Paulo Otávio, que, afinal, recebia 30% do dinheiro do esquema de corrupção, 10% só a menos que a parcela do próprio Governador Arruda (40%) e igual ao todo o restante (30%) do dinheiro distribuído pelas dúzias de outros políticos e assessores.

Mas Paulo Otávio ainda não está preso – por quê?

Há certamente muitos interesses em “abafar” recentes (divulgações de decorrentes) eventos no Governo Distrital, assim como houve interesse do DEM de desvincular de Arruda – mas de certo modo que o partido não buscasse retomar o cargo, em “punição” de Arruda, como poderia se esperar de um partido que realmente sentiu-se obrigado a romper laços não só com Arruda e sua laia política e empresarial mas também com esta prática de politicagem. Ora, Arruda “saiu de fininho” do DEM por que não interessaria a ele ser expulso, homem com fachada sórdida que já se encontra, e o DEM aceitou essa “resolução” contente e silenciosamente por que não interessaria a eles realmente mudar o *Governo* do Distrito Federal que continua – e eles querem que continue – a sua disposição.

A prisão de Arruda, portanto, poderia ser o sacrifício do órgão gangrenado para a salvação do resto do “corpo” Governamental (que é, diga-se, o “corpo” empresarial, representado no corpo de Paulo Otávio). Isto não ocorre necessariamente por que Paulo Otávio “tem costas mais quentes” com a classe empresarial ou burocrática-Federal que os sustenta, pois ele está sendo entregue meramente o “corpo defunto” do Governo DEMista do Distrito Federal temporariamente, isto é, até a ação do Governo Federal amanhã para a indicação de um suplente ao cargo. O golpe executado através de arapongas e jornalistas que “jogam nos dois lados” não favorece abertamente nenhum outro grupo, senão uma oposição partidária-eleitoral ao Governo do Distrito Federal, como um retorno de Roriz e sua laia na próxima disputa eleitoral, e o reforço a base governista do Governo Federal. A questão da extensão ou possíveis contrastes entre membros das classes empresariais e burocráticas (em ambos níveis Distrital e Federal) nas respectivas “laias” de Arruda, Roriz, DEM ou PT é um assunto interessante mas pouco pertinente para maioria que não toma parte na “política” a esse nível – isto é, na politicagem eleitoral que assola nosso país.

O assunto pertinente para maioria das pessoas do Distrito Federal, assim como do resto do país, é a sobreposição dos interesses empresariais e burocráticos nesta “transição” orquestrada com a derrubada do Governo de Arruda.

Os interesses burocráticos em uma “transição” sutil e gradual visam uma troca de cargos políticos através das eleições regulares do fim deste ano, para iniciar um novo Governo da própria oposição partidária pelos próximos quatro anos (com a possibilidade de uma reeleição em 2014). Não haveria interesse em nenhum burocrata de carreira, por outro lado, em assumir o cargo de Governador até somente janeiro de 2011 através das eleições extraordinárias que *deveriam* ser convocadas em 30 dias pelo Presidente do Judiciário no Distrito Federal. Este assumiria o cargo de Governador após a devida prisão do Vice-Presidente, Paulo Otávio, assim como do Presidente da Câmara Distrital, que também está envolvido no esquema de corrupção que fundamenta o golpe contra Arruda. Mas quem quer assumisse o cargo nestas circunstâncias eliminaria assim suas possibilidades de concorrer por qualquer outro cargo político durante os próximos quatro anos, devido à atual legislação do Superior Tribunal Eleitoral, algo que nenhum burocrata de carreira teria gosto por fazer.

Ainda assim, a oposição eleitoral poderia simplesmente levantar a sua bandeira por trás de qualquer burocrata de viés mais “técnico” que aceitasse o “sacrifício” do cargo através de eleições extraordinárias. Mas porquê se dar o trabalho de disputar não só uma, mas *duas* eleições, arriscando uma reação contrária ao candidato “titular” em Novembro devido as possíveis mazelas atribuídas ao Governador “temporário” aliado? Ainda além da politicagem eleitoral Distrital, pra que transformar este problema, ainda geralmente “contido” ao Distrito Federal, em um lance prévio de expectativa das eleições Federais de Novembro, que poderia afetar tanto a legitimidade dos partidos mais de direita (DEM e PSDB), quanto provocar uma possível reação por parte do de “centro” (PMDB) a consolidar em si mesmos uma “frente ampla” de oposição a candidata do PT? Lógico, nem PSDBistas nem Petistas a nível Distrital ou Federal querem “chacoalhar muito a canoinha” em vésperas de eleição!

A decisão a ser tomada amanhã então pelo Governo Federal de intervenção e designação de um Governador suplente para o Governo do Distrito Federal é a estratégia favorecida pelo grupo que está agora, por esse golpe, levando vantagem na politicagem. Mas é aqui também que entra o último elo que acorrenta esta forma de governar às mãos do Diabo - a sobreposição dos interesses empresariais junto aos burocráticos nesta “transição” orquestrada pelo Governo Federal.

Seja com Arruda, Paulo Otávio, Roriz ou algum Petista, a estrutura burocrática dos Governos (Distrital, Estaduais e Federal) foi moldada junto ao desenvolvimento do empresariado capitalista em nosso país, fosse este de caráter estatal ou privado, nacional ou transnacional, indivíduo ou corporativo. A derrubada de Arruda é um *golpe* no sentido mais limitado de transição política entre grupos de elite – a esmagadora maioria da participação popular no evento foi financiada e controlada pelos interesses das elites relacionadas – e o “desfecho” do golpe é apropriadamente jurídico em caráter, feito *em nome* da democracia (e não é, portanto, político no senso de envolver a atividade política da população, um evento democrático) e será completado por intervenção institucional do Governo Federal ao invés de uma resolução no mínimo nominalmente democrática como a via eleitoral.

Se há alguma mudança de força política entre as classes econômicas durante a transição (assim como se espera refletir na classe burocrática através da ação Federal amanhã), esta não é uma disputa de *governo*, mas de quem governa, ou em outras palavras, não é uma disputa política, de Estado, de forma de organização social, mas somente uma disputa de politicagem, de administração em benefício maior desses ou daqueles membros da mesma classe, mantendo a mesma estrutura de relações sociais.

O esperado para amanhã é o óbvio: a determinação de um Governador temporário da base governista do PT que buscará apoiar as candidaturas Petistas e aliadas nas eleições Distritais e Federais *mantendo* o apoio das alianças (mesmo que redesenhadas entre alguns de seus membros) das classes empresariais e burocráticas.

O simbolismo de Paulo Otávio não ter sido preso reflete o fracasso das classes trabalhadoras (incluindo, além dos trabalhadores nas redes privadas, os nossos poucos trabalhadores no campo, camponeses, assim como as classes urbanas ditas “médias”, numerosas no Distrito Federal, que atuam nos vários setores de serviços burocráticos dês da educação, saúde, polícia, até nos órgãos gestores dos Governos em si) de reconhecer seu interesse comum e tomar consciência de classe para assumir o controle do Governo e o desvincular do controle das classes empresarias e burocráticas – isto é, de destruir esta atual estrutura burocrática de governo (e de politicagem eleitoral) e reconstruir um novo modo de se governar.

A ação de Lula amanhã será considerada como uma vitória “do povo” Brasileiro, ou até mesmo “dos trabalhadores” Brasileiros, quando na verdade será somente a mais recente cooptação do que deveria ser a atividade das classes trabalhadoras de reconstruir um novo modo de se governar após a derrubada do Governo Arruda, pois tal será prevenida e travestida por uma ação burocrático-eleitoral com objetivos únicos de fortalecer a aliança burocrático-empresarial articulada em torno de um projeto de nacional-desenvolvimentismo capitalista tão sustentável quanto original – isto é, nem um nem outro.

Não há e não houve dentro da maioria dos órgãos de representação e ação de classe um debate sério sobre como executar uma reestruturação de poder dentro da oportunidade de crise política ocasionada pelo golpe. Se este não se iniciar e alastrar logo, perderemos até a oportunidade para aprender desta situação o que realmente é importante e nos preparar para os subseqüentes momentos de crise.

Atente a isto, pois esta é uma crucial falha nossa.

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