quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Blitz

- Fuck,

exlcamei para mim mesmo enquanto colocava a seta para a direita, seguindo a indicação do policial para que parasse o carro. Já haviam outros dois parados, parei na frente destes, chuvia ralinho, o policial chegou pedindo minha habilitação e o documento do carro que eu não tinha – não tinha por que não verifiquei antes de pegar a estrada, e minha mãe, que tinha pego o carro emprestado de minha avó, não havia deixado o documento dentro do carro como faço de costume. Notou isso já quando estava horas ao sul de Brasília, e enviou Sedex 10 para BH. Atrasamos nossa saída até meio dia esperando o correio que não chegava. Desistimos e seguimos, afinal, já havia feito metade do caminho sem documento, faria a segunda do mesmo jeito, mas pelo menos mostraria as minhas amizades Ouro Preto – almoçamos um belo tutu a mineira e fejão tropeiro – e chegariamos ainda aquela noite em Petrópolis. Até aí tudo bem, e baixar a serra também foi tranquilo, tranquilo até demais, quando leva mais de duas horas para atravessar nove quilometros entre Magé e a porra da estrada entupida no sentido dos Lagos. Foi então, logo quando o transito seguia, a cinquenta kilometros de nosso destino, que fomos parados.

Expliquei a história, e antes mesmo que se encompridasse demais, o policial já me explicou

- Pó pará, pó pará, xeu te explicar a situação, é necessário ter o documento com você a todo momento, só isso já é pragente apreender o carro, mas o negócio é o seguinte, agente tá atrás de drogas e armas, então vamos ter que revistar seu carro.

Acordei, claro, com a revista, e ele foi logo entrando pela minha porta, quando saltei, remexendo no cinzeiro, depois pelo lado do passageiro, no porta luvas, no painel, em qualquer cantinho que pudesse meter os dedos. Logo, cheirou um pedacinho ou outro de tabaco dos cigarillos que havia fumado ao longo da estrada – cigarillos cubanos que ganhei de natal de meus pais – e mandou a passageira do banco de trás saltar também, e nos mandou pegar nossas bolsas para que fossem revistadas. Me mandou levantar minha camisa, já quando outro policial chegava por lá, e explicava a “situação”, meteu a mão nas minhas virilhas, e mandou eu e o meu passageiro homen entrar na estação. Notando que meu companheiro de viajem mal falava Português, me perguntou se eu falava, respondi, Claro, sou Brasileiro! Abriu a mochila dele e minha bolsa, cheirou meu canivete, fuxicou os livros dele, e quando chegou no meu saquinho com a caixa de cigarillos e um charuto, cheirou-os, olhou dentro da segunda fileira de cigarillos, enquanto isso um outro chegou também, denovo a “situação”, e denovo, o outro, verificou minha virilha – isso foi, aparentemente, sorte minha, pois este outro havia feito meu companheiro de viajem abaixar as calças, depois as samba-canção também, na tal busca – e este, sabendo então da “situação” com os documentos, exclamou

- Então temos que revistar eles muito mesmo!

Fuxicou denovo em minha bolsa, denovo mexeu com os cigarillos, duvidoso, e depois me mandou acompanha-lo para revistar, novamente, o carro. A chuva apertou, e ele me mandou entrar no banco de trás, enquanto ele entrava no do passageiro, fiquei, como antes, de olho em suas mãos e seus bolsos enquanto fuxicava, e enquanto ele fuxicava ia me dizendo

- Deixa eu te explicar a situação, Gustavo, é Gustavo, né?

Confirmei, enquanto ele pegava do banco um pedacinho de tabaco.

- O negócio é que tem indícios de drogas no seu carro, e vocês não estão cooperando. Agente vai revistar tudinho, tudinho mesmo. Agente vai fazer vocês abrir a mala do carro, vamos checar suas mochilas, roupa por roupa, cada bolso de cada calça, e se agente encontrar droga, você sabe o que acontece, né? Você vai preso, o carro fica apreendido, você tá até sem documento, então se agente fosse na dura mesmo, só nisso agente já apreendia o carro, sacou? E se vocês continuarem não cooperando, vai ser na dura mesmo...

...interrompi o sacana

- Mas nós estamos cooperando, estamos aceitando que revistem o carro, nossas mochilas, nossos...

Mas ele me cortou

- Deixa eu terminar! O negócio é o seguinte, se você fizer agente revistar tudo, se você der o trabalho de fazer agente ir buscar as drogas, ai vai ser na dura mesmo, aí não tem conversa – você vai preso mesmo. Agora, se você entregar as drogas pragente agora, aí dá pragente conversar, aí agente vê como que faz, dá pra dar um jeito.

Disse que o compreendia, mas que não tinhamos droga nenhuma. Disse que entregaria se tivessemos, mas não temos. Disse que poderiam revistar o carro todo, o porta malas, nossas mochilas, tudo.

Ai ele forçou a barra.

- Vocês estão fazendo as coisas difíceis pragente, aí não vai ter como ter conversa mesmo então. Você veio de onde? Brasília? Po cara, tem que ser muito estúpido para transportar drogas entre estados assim, né? Você não sabe das consequências não, hein? Não sabe que você vai preso?

Não havia espaço na trela dele para meu protesto que sabia das consequências mas que não estava, afinal, transportando droga alguma. Os “indícios de drogas” que ele dizia, tentei explicar, enquanto ele continuava, eram tabaco daqueles cigarillos, a única coisa fumada no carro, quatro cigarillos daquela caixinha que ele viu, que ganhei de natal de minha mãe.

A menção de minha mãe, talvez, ocasionou ele a perguntar de quem era o carro. Expliquei que era de minha avó, e que por isso não havia percebido que os documentos não estavam no carro quando saímos de Brasília.

- Mas você não sabe que tem que ter os documentos do carro sempre com você? Como é que você pega a estrada sem documento?

Pois é, foi lá a explicação denovo, sabia, mas quando percebi a falta já estava (e aqui estiquei a história uns duzentos quilometros) pra lá de Juiz de Fora e minha vó (ou mãe, pra ele isso não deve importar) já me mandou o documento lá pra Cabo Frio (pulando a confusão de BH pra fazer a história mais simples), aonde passariamos as férias de verão.

Por alguma razão, talvez a mesma pela qual ele parou o Renault da minha avó, ele quis saber

- O que sua vó faz lá em Brasília?

É aposentada, uai!

- Mas aposentada de quê?

- Bem...

tive que explicar

... na verdade ela trabalha em casa, meu avô que era aposentado.

A pergunta, em transição, era para ser respondida então sobre a profissão dele.

- Ele já faleceu, mas era Ministro do Superior Tribunal Militar.

Alguns anos atrás, quem sabe, isso seria suficiente para o reco dizer logo “ah, desculpe então, por favor siga viajem!” e até parava o transito para que eu saísse logo e recuperasse o indevido atraso. Hoje, não sabia se o efeito seria oposto ou semelhante...

O que se passou foi o seguinte, ele continuou fuxicando pelo banco da frente um momento, repetiu que haveria conversa se eu entregasse as drogas, e repeti que não haviam drogas, e que esperariamos o quanto eles quisessem para revistar todas nossas mochilas, todos os bolsos de todas as nossas calças.

Então ele saltou do carro, saltei atrás, ele entrou na estação, fiquei no lado de fora, embaixo da sacada, ao lado do carro, disse alguma palavra ou outra de calma para as duas companhias gringas de viajem, e logo depois aquele primeiro policial que me parou veio a porta, fumando um cigarro, e disse

- Ó, você vai presizar desse documento para voltar na estrada, hein! Por que se você pega um policial que está assim, teve um mal dia, tá de mal humor, ele leva na dura mesmo, apreende o carro.

Minha resposta já foi uma mistura de “entendo” e “obrigado”, pois, imaginava esperançosamente, seguirei viajem afinal!

Ele me perguntou se estava com minha habilitação, olhou pra dentro da estação para ver se estavam com meu documento por lá, saquei ela do bolso e disse que estava com ela e perguntei se estariamos, então, liberados.

A resposta positiva ainda foi temperada com outras advertências, mas nisso já me virava para minhas amizades e dizia

- Let’s get out of here, quick.

Entramos no carro, ligava o motor enquanto dizia para os dois verificarem seus documentos e seu dinheiro. Estavam com tudo, eu dava seta para a esquerda, e largamos deixando o folego escapar e as histórias do absurdo rolar.

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